De doenças humanas a pragas na lavoura: plantas amazônicas ajudam a combater males à saúde
Grupo de pesquisa da Ufopa identificou espécies com potencial antioxidante, antiulcerogênico e inseticida
Na Amazônia, há cerca de 1,5 milhão de
espécies vegetais catalogadas pela ciência, algumas delas com
propriedades medicinais que desconhecemos. Pensando nisso, o grupo de
pesquisa “Produtos Naturais Bioativos da Amazônia”, coordenado pelo
professor Leopoldo Clemente Baratto, do Instituto de Saúde Coletiva
(Isco) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), atua desde 2014
investigando a composição química e o potencial biológico das plantas
amazônicas. Recentemente, foram obtidos resultados promissores com
espécies que poderão ser utilizadas para o tratamento de úlcera
gástrica, inibição de radicais livres e extermínio de pragas em cultivos
de hortaliças.
Foram analisadas doze plantas de uso
popular: cuieira, jucá, breu-branco, jenipapo, jambo, copaíba, sucuuba,
oiticica, corama, escada-de-jabuti, amor-crescido e crajirú. Em
laboratório, foram produzidos extratos dessas plantas, os quais foram
testados em diversas concentrações. O extrato das folhas da cuieira
mostrou-se como ótimo inseticida e o das folhas da copaíba, como aliado
no combate a doenças.
Inseticida –
Thamiris Alencar, aluna de Farmácia da Ufopa, participou do Programa de
Mobilidade Acadêmica na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde
realizou análises para verificar quais extratos seriam capazes de
eliminar o pulgão-da-couve, uma praga comum em plantações de
couve-manteiga. “Utilizei placas de Petri e coloquei um disco de couve,
em que inoculei cinco a dez ninfas de pulgões, e borrifei os extratos
diluídos em solvente, verificando depois de 24h, 48h e 72h se houve
mortalidade dos pulgões”, explica.
A estudante teve uma grande surpresa
com a cuieira, uma espécie nativa da América Central que se adaptou
muito bem na Amazônia e é usada popularmente, como o próprio nome
indica, na produção de cuias: “Os que se destacaram mais foram cinco
extratos, principalmente o da cuieira, que teve uma mortalidade de 100%,
até mais que do inseticida comercial, cuja eficácia é de 85%. Os demais
apresentaram acima de 90%”. Os outros aos quais ela se refere são a
escada-de-jabuti, jucá, jenipapo e sucuuba.
A intenção agora é continuar a pesquisa
por meio do fracionamento dos extratos, a fim de descobrir quais são as
substâncias presentes nas folhas responsáveis pelo efeito inseticida. O
desenvolvimento de um inseticida natural seria uma boa alternativa na
agricultura, pois seria menos nocivo do que os sintéticos: “Reduz-se a
contaminação da hortaliça com agrotóxicos e evita-se a contaminação
ambiental. Isso é uma forma de melhorar a qualidade do produto que vai
ser comercializado, além de agregar valor a uma planta aqui da região”,
esclarece Leopoldo.
Ação antiulcerogênica e antioxidante –
Outra pesquisa, realizada na Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes) por Juliana Nascimento, também aluna do curso de Farmácia da
Ufopa, detectou os extratos mais eficientes no combate a úlceras e aos
famosos radicais livres, que são moléculas que podem atacar células
saudáveis do organismo e desencadear uma série de doenças, como câncer e
envelhecimento precoce.
Foi necessário simular em laboratório o ambiente ácido do estômago para identificar quais extratos conseguiriam inibir a Helicobacter pylori,
principal causadora de úlceras estomacais, e a urease, uma enzima que
facilita o desenvolvimento da bactéria. Além disso, em testes
preliminares, observou-se que a maioria das plantas estudadas era rica
em compostos fenólicos, como flavonoides e taninos, moléculas que,
conhecidamente, têm ação antioxidante potencial.
A folha da copaíba – e
não o óleo, que é mais popular – e a escada-de-jabuti tiveram os
melhores resultados em ambas as análises. A oiticica e o jambo também se
mostraram bons antioxidantes e antiulcerogênicos.
Segundo Baratto, o fato de alguns
extratos não apresentarem resultados positivos não significa que não
tenham as propriedades investigadas. “Talvez aquela metodologia
utilizada não seja adequada para medir o potencial ou aquele extrato
estava muito concentrado, teria que ser fracionado”.
Parceria – Para
Juliana, além do conhecimento na área em que pretende trabalhar, a
experiência em uma universidade consolidada serviu para que ela
percebesse a importância da região no contexto nacional: “É muito
importante firmar parcerias por conta disso: hoje estamos com a matéria
prima a nossa disposição e temos que procurar meios para correr atrás
disso, para que o conhecimento tradicional não seja perdido”. Além da
UFPR e da Ufes, o grupo de pesquisa conta com outros professores da
Ufopa e da Universidade Martin-Luther, da Alemanha.
Outras pesquisas estão
em andamento no grupo, envolvendo sete alunos de graduação e a análise
de várias espécies amazônicas. Para o professor, a urgência de estudos
como esses se faz necessária na nossa região: “A Amazônia vem sofrendo
um processo de degradação, de exploração irrestrita que está levando a
extinção de muitas espécies. Há muitas plantas que devem ter um
potencial medicinal, mas que vão ser extintas antes de serem estudadas”,
conclui Leopoldo.
Comentários